Sociedade do cansaço e do estresse: a cada vez mais comum síndrome de burn-out
Por Arthur Silva Ferreira, Bruna Parrado, Gabriel Haguiô, Nicole Cantagallo e Sabrina Carmo, alunos do 1º JOC
Glaucia Ferreira, 43 anos, gerente de inovação do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais. Mestrado, emprego, viagens a trabalho nos períodos de lazer… Resultado: mudança brusca de peso. Ganhou 20 quilos.
Fabiana Souza, 19 anos, professora da rede estadual em São Paulo, na época. Início de carreira, cobranças internas e externas, comportamento complicado dos alunos… Resultado: perda de peso e, de bônus, desenvolvimento de uma úlcera.
Raul Lemos, 34 anos, e sua esposa, Laura Gianfaldoni. Ambos publicitários e sofrendo com a pressão da empresa. Ele trabalhava numa agência de publicidade antes de participar do reality show de culinária MasterChef. Resultado: a pressão dele foi a 23 por 9. Ela teve uma paralisia no rosto.
Qual a semelhança entre eles? Todos cansados mentalmente por causa do trabalho.
Realidades tão distantes, mas tão próximas ao mesmo tempo. A união dessas vidas se dá por um único fator que tem acometido diversas pessoas neste agitado século XXI: a fadiga mental decorrida do trabalho. Tensão no espaço profissional, pressão dos clientes, do chefe, dos alunos… O paralelo entre querer se empenhar mais do que o exigido pela carga horária e o estresse intenso e constante.
Mais conhecida como síndrome de burn-out (“esgotamento”, em inglês), esse distúrbio psíquico está mais presente em nossa sociedade do que parece. É um esgotamento mental ou estado de tensão emocional causada pelo trabalho. Professores, policiais, profissionais da saúde e jornalistas são os principais afetados, mas ela pode acontecer com qualquer trabalhador. Sentimento de pessimismo, dificuldade em se concentrar, ansiedade diária e dores de cabeça são sintomas de um mesmo problema.
No ranking da International Stress Management Association, o Brasil ocupa o segundo lugar entre os oito países com os maiores números de casos, sendo o Japão o primeiro com 70% da população manifestando sinais de fadiga mental. Entre os brasileiros, 32% dos trabalhadores sofrem da síndrome.
As diferenças encontradas entre os países se dão principalmente pelo valor que a sociedade atribui ao trabalho. Países como Japão e Estados Unidos são reconhecidos por essa profunda valorização. Claro que esse não é o único fator a ser considerado: questões como desigualdade social e crises econômicas também entram na balança.
Os sintomas são muitos e facilmente confundíveis com outras doenças e distúrbios, como depressão e ansiedade, portanto, é necessário entender que apenas um profissional da saúde pode fornecer o diagnóstico e que a fadiga mental pode gerar muitos outros problemas que podem ser evitados. É muito comum que problemas psicológicos e emocionais acabem desenvolvendo doenças fisiológicas, portanto é muito importante ficar de olho na sua saúde mental.
Ainda ficou confuso? O doutor Mário Louzã explica:
Desse modo, um conjunto de fatores pode causar esse estado emocional. A sobrecarga de funções e características na personalidade pode intensificar a síndrome, mas não somente isso.
O estresse da vida cotidiana faz parte da sociedade moderna, que parece ficar cada vez mais agravado. Esse fenômeno tem sido discutido por pensadores e cientistas sociais, como o filósofo Byung-Chul Han, em seu famoso livro Sociedade do Cansaço, que inclusive menciona a síndrome de burn-out logo em sua primeira página.
De acordo com o autor sul-coreano, o mundo moderno tem sido cada vez mais movido pela produtividade — e também pela meritocracia. É preciso sempre estar produzindo mais e em menos tempo. Nem é preciso dizer que isso acaba pesando na consciência de todos, principalmente dos mais pobres.
De acordo com uma pesquisa realizada pela revista Época em dezembro de 2019, 20 milhões de pessoas no Brasil sofriam da síndrome. Mesmo assim só foi reconhecida como doença crônica em agosto do mesmo ano pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e estará na lista de doenças apenas em janeiro de 2022.
A doutora Marina Sticca, professora do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, explica as principais diferenças entre a síndrome de burn-out e outros problemas psicológicos como a depressão e a ansiedade:
“A depressão, o estresse e a síndrome de burn-out são patologias diferentes. Apesar de terem sintomas semelhantes, dificultando o diagnóstico adequado, são tratadas e classificadas de maneira distinta pela OMS. O estresse se refere a uma reação do organismo, na qual há surgimento de sintomas físicos e psicológicos, não necessariamente desencadeados pelo trabalho, enquanto a síndrome de burn-out é compreendida como uma espécie ou subtipo de estresse crônico e de maior gravidade que decorre justamente do contexto do trabalho e da exposição a estressores laborais. A depressão, ao contrário da síndrome de burn-out, é considerada uma doença crônica que pode afetar pessoas de todas as idades.”
A doutora também explica que a síndrome possui três dimensões: o sentimento de exaustão ou esgotamento de energia, o aumento do distanciamento do próprio trabalho ou sentimentos de negativismo em relação a ele e a redução da eficácia profissional. Gláucia passou por todos eles.
Glaucia ainda conta que, segundo sua psiquiatra, a síndrome de burn-out se dá através de três fases.
Ambos os profissionais da saúde entrevistados relataram que há ocorrência da síndrome de burn-out em especial entre os professores. Conversamos com Fabiana para saber mais detalhes dessa fase um tanto complicada.
“Eu procurei o SUS [Sistema Único de Saúde] por conta do que eu, a princípio, achava que era um problema estomacal e descobri que era gastrite, que tinha virado uma úlcera já.” Ela ainda contou que, quando resolveu consultar o médico, em nenhum momento foi diagnosticada com burn-out.
“A única coisa que [o médico] disse é que eu andava muito estressada, que eu tinha que tentar ficar mais calma. Ele me receitou ‘maracugina’. Eu não tinha condições financeiras de procurar um terapeuta ou psicólogo. E pelo SUS, na época, a única coisa que eu consegui foi entrar numa fila de terapia em grupo. Só que ia demorar uns quatro anos para me chamarem. Eu não fui chamada até agora, e já faz 17 anos.”
Conversamos também com o ex-MasterChef Raul Lemos para saber como foi esse momento de sua vida.
E há ainda mais um fator a ser adicionado para falarmos da burn-out: os recortes de gênero e raça.
Não há muitas pesquisas sobre o assunto, mas não podemos deixar de ressaltar que as mulheres são historicamente condicionadas ao trabalho doméstico não remunerado. Nas últimas décadas, elas se inseriram no mercado de trabalho, competindo com homens que não recebem a mesma carga de responsabilidade em casa, seja com os cuidados domésticos ou com a criação dos filhos.
Além da preocupação com os afazeres de casa, as mulheres trabalhadoras ainda são obrigadas a lidar com o sexismo no ambiente de trabalho. Apesar de não haver pesquisas específicas, é possível que as mulheres sejam mais afetadas pelo estresse mental devido ao trabalho, e, por consequência, pela síndrome de burn-out. Por se tratar de uma situação profundamente naturalizada pela sociedade, muitas delas sequer chegam a receber tal diagnóstico.
E quando falamos da inserção da mulher no mercado de trabalho, há uma série de problemas relacionados ao gênero e à raça. Fabiana nos contou sobre a falta de credibilidade que a mulher sofre dentro da Academia:
“Eu fui bastante suprimida no meio acadêmico. É isso que é vendido: se você é homem e já passou dos 40 anos, você pode tudo. Se você é mulher, independente da idade, eles vão sempre te rebaixar. Sempre. É um fato. E isso reverbera nos alunos. Os alunos afrontam muito mais [as professoras] por elas serem mulheres”.
Para falar da questão racial, conversamos com a psicóloga Anna Laura de Lima Jorge. Em meio aos protestos do Vidas Negras Importam, ela e um colega foram convidados a participar do podcast Psicologuês para falar sobre a saúde mental da população negra, inclusive em meio à pandemia.
“A população negra tem um histórico de ter uma renda mais baixa, de ter que se provar muito mais do que uma pessoa branca. Então num emprego muitas vezes as pessoas vão perguntar: ‘Nossa, mas você tá nesse cargo? Mas por que?’ ou ‘Você fez essa faculdade? Você fez faculdade?’. A população negra tem uma necessidade maior de trabalhar horários extras e fazer muito mais para se provar. Em 2017, teve um estudo [revelando que no] Brasil, nas maiores empresas os cargos de liderança [são ocupados por] 4,6% de pessoas negras”.
“Quando você liga o dane-se fica mais fácil.” Esse foi o conselho de Raul, pois o tratamento se dá nessa linha de raciocínio. Os pacientes ficam um período de tempo afastados do trabalho, realizando atividades que não exijam muito esforço mental, como assistindo filmes leves e praticando hobbies e atividades físicas.
Em alguns casos existe a necessidade de tomar remédios, porém com prescrição médica e na dose adequada. Muitos também fazem terapia, que contribui para a identificação dos sintomas da síndrome. O tempo de tratamento é variável e, de modo geral, eficaz.
E a prevenção ?
A doutora Marina explica como funciona esse processo:
“A prevenção parte da premissa de que a síndrome de burn-out é um problema coletivo e organizacional, e não apenas individual. No nível organizacional, as empresas podem adotar medidas de prevenção, tais como evitar horas extras, proporcionar condições de trabalho atrativas, investir na formação profissional, dar suporte social às equipes e incentivar a participação nos processos decisórios, entre outros. No nível individual, podem ser realizadas melhorias no estilo de vida do trabalhador, desenvolver técnicas de manejo de estresse e estratégias de enfrentamento, por exemplo”.
A doutora ainda recomenda que os profissionais que apresentarem sintomas de síndrome de burn-out procurem ajuda e prevê que, a partir de 2022, a doença será levada mais a sério, portanto o auxílio também será mais acessível.
Lembrando que se você acredita estar passando por uma situação parecida não deixe de consultar um médico ou agendar um encontro com um psicólogo. Há diversos locais em São Paulo com consultas gratuitas ou a preços populares. Consulte esse link para mais informações.