Coisa de menina: a jornada das mulheres no mundo do skate
Por Beatryz Turbiani, Giovanna Garcia, Juliana Ribeiro, Nathalia Jesus e Tamires Batista, estudantes do 1º JOC
Quando o assunto é skate, recorrentemente ouvimos falar de Tony Hawk, Bob Burnquist, Pedro Barros e Sandro Dias. Porém, há alguns anos nomes como Letícia Bufoni e Karen Jonz vêm se tornando destaques entre as referências do esporte, mesmo que essa inserção feminina não seja nada atual. Ainda na década de sessenta, a americana Patti McGee se tornou a primeira skatista profissional da história, e no mesmo ano foi capa da revista Life, fato que ajudou na projeção do skate para além dos subúrbios dos Estados Unidos, além de encorajar muitas meninas a se tornarem adeptas do esporte. Desde então, Patti é reconhecida como um dos maiores nomes do skate mundial e referência no combate aos estereótipos da modalidade.
Com o enfoque na prática masculina, as mulheres por muito tempo foram excluídas dos torneios de skate que aconteciam no Brasil e no mundo. Felizmente, esse cenário está mudando e cada vez mais mulheres adentram este meio, lutando para que o skate se transforme em um esporte muito mais representativo. O apogeu do skate no Brasil e a inclusão feminina começaram na década de 90, com a realização do campeonato Check it Out Girls, em São Paulo (SP).
Hoje é possível encontrar vários coletivos de mulheres skatistas, como Britney’s Crew, Batateiras e Divas Skateras. Elas encorajam meninas de todo o Brasil a praticarem o esporte, dando dicas para improvisar nas manobras, indicando artistas, fazendo eventos e rodas de debate sobre experiências no esporte, tudo para que no skate brasileiro haja cada vez mais mulheres.
Nessa caminhada para o universo do skate se tornar mais igualitário, existem também iniciativas de marcas unissex como Casa dos Maples e De La Crew, além de lojas específicas para “minas”, como a Melancia Skategirls e a marca Mary Jane. O patrocínio de mulheres skatistas também já é uma realidade, mesmo que ainda tímida. A marca de roupas do estilo streetwear Vans patrocina quatro mulheres de um time de quinze skatistas brasileiros. Já a Volcom, loja virtual de roupas para skatistas, apoia uma mulher e seis homens.
“Ela anda que nem homem”
O cenário para as mulheres no skate está mudando cada vez mais, se tornando inclusivo e formando novas atletas, mas esse progresso nem sempre é um mar de rosas. As skatistas ainda precisam lidar com preconceitos e discriminações pelo simples fato de serem quem são: mulheres.
Skatista nas horas vagas, Priscila Moraes, de 34 anos, conta que para ela o skate é transformação social, principalmente para mulheres negras e de periferia. Ela explica que o skate entrou em sua vida como uma ferramenta para ajudá-la a fugir dos problemas e incluí-la em espaços públicos. “Através dele eu tive a sorte de conhecer pessoas, culturas, lugares e a partir daí estudar e me afirmar na sociedade.”
Sua primeira impressão ao andar de skate foi a sensação de liberdade que o esporte proporciona e como o ambiente de fato não aceitava mulheres. Tanto pessoas de fora quando os próprios skatistas duvidavam se ela deveria ocupar tal lugar. “Na época eu não tinha muita dimensão sobre essas questões, e nem conhecimento para me posicionar sobre, através do tempo que eu fui notando esses preconceitos.”
“Acho que, assim como em todas as esferas da sociedade, há uma discussão sobre a inclusão das mulheres nos espaços. Fomos inseridos dentro de uma sociedade patriarcal, onde muitos dos lugares ainda não são ocupados, e no skate não seria diferente, não temos uma preparação e precisamos urgentemente discutir sobre essas desigualdades de gênero”, explica Priscila.
A discrepância entre o tratamento dado por gênero no meio está presente também nos salários desiguais, como foi apontado em 2018, quando viralizou uma foto dos vencedores do campeonato Oi Skate Jam, Yndiara Asp e Pedro Barros, na qual ela segura um cheque de cinco mil reais e ele, um de dezessete mil.
A dificuldade para ter seu trabalho reconhecido também é um obstáculo que a fotógrafa Laura Dias Lacerda, de 19 anos, enfrenta. “O skate ainda é patriarcal e acredito que até a gente está conquistando lugares. Por exemplo, na exposição da Adidas de colagem que eu participei, já ouvi comentários de gente falando pra não filmar minha arte porque não era considerada artista. Mesmo tendo visibilidade, há um empecilho, então acredito que sempre vai ter mais respeito pro homem do que pra mulher nesses locais.”
O primeiro contato de Laura com o skate foi aos nove anos. Depois de um tempo observando e admirando seu primo andando sobre as quatro rodinhas, seu pai comprou um skate e a presenteou. No começo, ela conta que andava apenas com homens e sempre sentiu falta das mulheres nesse espaço. Depois de alguns anos, conheceu meninas que praticavam e, finalmente, se reconheceu no esporte. Também conta que começou a fotografar as skatistas justamente para dar visibilidade a elas, porque, querendo ou não, segundo Laura, é necessário um material, seja foto ou vídeo, andando de skate para que alcance outras pessoas e reconheçam o esporte a fim de divulgá-lo chegando em outras meninas, servindo de inspiração.
Hoje, a skatista e fotógrafa estuda publicidade e propaganda na faculdade Belas Artes e pretende trabalhar relacionando seu curso com o mundo do skate e da fotografia. Seu foco é trabalhar em alguma mídia de skate ou revista, mas, caso não aconteça, quer trazer a essência de seus hobbies para a publicidade.
Segundo pesquisa realizada pela CBSk (Confederação Brasileira de Skate) com o Datafolha, de 2009 a 2015 a porcentagem de praticantes do sexo feminino no skate aumentou de 10% para 19%, o que representa aproximadamente 1.600.000 mulheres. Esse aumento de 9% em seis anos mostra que esse número só tende a crescer, porém, em comparação com a quantidade de homens presente no esporte (6,9 milhões), as mulheres continuam em baixa.
Depois de assistir o seriado Betty, da HBO, sobre mulheres na cena do skate em Nova York, Paloma Passos, de 18 anos, se apaixonou pelo esporte. Ela se encantou pela série e repetiu para si mesma: “Vou começar a andar de skate”. A jovem pegou um dinheiro guardado e comprou na internet um shape (prancha do skate) usado. Ela conta aos risos que se arrependeu da decisão, não por superestimar o esporte e cansar dele facilmente, mas sim porque seu novo velho skate estava mais que destruído. Em menos de um mês, ele quebrou.
A baiana que hoje mora em São Paulo e estuda design gráfico na Belas Artes começou a praticar o esporte em setembro de 2020, ainda na quarentena. Como a estudante mora na região da Vila Mariana, seu local mais viável para desenvolver melhor a prática no esporte é o Parque Ibirapuera. Paloma acredita que futuramente as mulheres vão ter mais espaço no skate do que hoje, mesmo que ainda seja considerado um esporte masculino.
“É mais difícil para mulher. Quando a gente fala de skate, no imaginário popular, é algo masculino. Quando você é criança, isso não é muito incentivado ainda, sempre tem aquelas caixinhas de menina e menino, e para despertar o interesse na mulher demora mais.”
Rumo a Tóquio
O cenário do skate se distancia do amadorismo e ganha novos contornos como um esporte profissional cada vez mais reconhecido. Um exemplo disso é o skate ser classificado nas Olimpíadas de Tóquio em 2021 como um esporte de sua grade, sendo disputado nas modalidades Park e Street. A seleção brasileira, ainda não definida, contará com integrantes femininos e masculinos, que vão dispor de um uniforme exclusivo criado pela Nike de autoria do skatista holandês Pieter Janssen, conhecido também como Piet Parra.
A estreia será com Street masculino, no dia 25 de julho, às 9 horas (horário do Japão), no Ariake Urban Sports Park. No dia seguinte (26), no mesmo horário e local, será a vez do Street feminino. O Park acontecerá nos dias 4 (feminino) e 5 de agosto (masculino), no mesmo horário e local que o Street. No total, cada modalidade (Street e Park) e categoria (feminina e masculina) contará com vinte skatistas.
A Seleção Brasileira de Skate conta com 22 atletas para a sequência das classificatórias olímpicas, que foram divididas em duas janelas. A primeira delas foi encerrada com as disputas dos mundiais de Park e Street em setembro de 2019, em São Paulo. A segunda foi interrompida por conta da Covid-19, tendo data de encerramento estendida para 29 de junho de 2021 — a World Skate (órgão organizacional reconhecido pelo Comitê Olímpico Internacional para esportes de patins) ainda não sinalizou data de retorno dos eventos.
O skate brasileiro, então, poderá ter doze representantes nas Olimpíadas, sendo três em cada modalidade e categoria.
Achou confuso? Veja nossa linha do tempo com o processo das classificatórias até as competições.
Para Geovanna Andrade, estudante de 18 anos, a estreia do skate nas Olimpíadas é uma ação promissora. Ela acredita que mais meninas e mulheres serão incentivadas a praticar: “Elas vão tomar como inspiração, a gente tá muito nessa vibe de mulheres unidas, de feminismo, então acredito que isso vai ser ainda mais um empurrão para incentivar novas mulheres, meninas a tentarem no esporte”. Na sua opinião, esse incentivo é de suma importância, pois por muito tempo teve que praticar em segredo manobras para conquistar o respeito do pai.
A atendente de restaurante Andréia Pellegrine, de 21 anos, compreende que o esporte se tornar olímpico representa o skate não ser mais visto como uma prática marginal. Por isso, são abertas novas oportunidades para as skatistas de patrocínio e de serem reconhecidas no esporte que tanto amam. “Agora finalmente as minas vão ser mais valorizadas.”
Stephanie Helbig Liceti, de 18 anos, que começou a andar de skate em 2019, fala que se sente bem insegura nas quatro rodinhas. Ela cita: “Parece que homem nasceu pra andar de skate”.
O esporte entrou em sua vida pela influência das amigas que sempre frequentavam coletivos e pistas, e que engatou mesmo quando usou o skate para se distrair do término com o ex-namorado.
Mesmo com pouco tempo dentro desse universo, ela explica que o skate nas Olimpíadas é algo que vai trazer muita visibilidade para o esporte. “Independente de mostrar o lado competitivo do esporte, não faz diferença nenhuma isso, só vai dar visibilidade mesmo. Eu penso pelo menos que alguém que gosta de jogar tênis, por exemplo, pode jogar apenas casualmente como também, se ele for bom, pode entrar numa competição e fazer disso a vida dele.”
Já Laura Dias (fotógrafa e skatista) faz seu contraponto sobre o tema. Ela fala que ter um skatista se destacando mundialmente pode distorcer a ideia sobre o que realmente é andar nas quatro rodas. “Competição não é a essência do skate, é mais de estar com os amigos, se divertir.”
É notório todo o empenho das atletas em tornar o skate popular entre as mulheres e assim demonstrar que não existe restrição para a prática do esporte. Em algumas modalidades, como a ginástica, que requer idade mínima para sua prática, a relevância das inúmeras atletas da modalidade é expressar que a categoria é totalmente livre para qualquer um, principalmente para as mulheres. Desse modo, é perceptível que, mesmo entre opiniões divergentes, a inserção do skate nas Olimpíadas pode acarretar mudanças no esporte. Mas nada que seja um empecilho às amantes das quatro rodinhas, já que, entre altos e baixos, ollies e heelflips, uma coisa é certa: as mulheres no skate vieram pra ficar.